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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

FIGURAS SONORAS NA LITERATURA

Figuras sonoras

Por que poetas, romancistas e compositores sempre empregaram as figuras de som? Qual é o seu efeito de sentido?

por Luiz Roberto Wagner e Djenane Sichieri Wagner Cunha*

Quem nunca ouviu este verso de Caetano Veloso, presente na composição musical Chuva, suor e cerveja: Acho que a chuva ajuda a gente se ver, em que a reiteração das fricativas e das palatais sugere o barulho da chuva.
Há determinadas figuras de estilo que combinam os elementos sonoros de uma língua em textos, discursos, poemas, etc., para que soem agradavelmente.
Chamam-se figuras de som aquelas que se ligam aos aspectos fonéticofonológicos das palavras. São elas: aliteração, assonância, paronomásia e onomatopeia. Neste artigo, vamos nos ater, especificamente, às duas primeiras.
Tais figuras foram muito exploradas pelos poetas simbolistas lusobrasileiros, como Camilo Pessanha, Eugênio de Castro, Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Além do subjetivismo, do misticismo e da musicalidade, havia uma certa preocupação com a sugestão, com o emprego de sensações (sinestesias) e com a repetição de consoantes e vogais idênticas ou parecidas.
Tendo em vista que a música é dos recursos que mais sugerem e melhor evocam o vago, o indefinível, o simbolista buscava explorar o conteúdo musical das palavras. Visando à aproximação da poesia com a música, os poetas lançaram mão de vários recursos, como a aliteração e a assonância.

ALITERAÇÃO
É a repetição proposital e ordenada de sons consonantais idênticos ou semelhantes. O efeito serve para reforçar a imagem que se quer transmitir.

"Esperando, parada, pregada na pedra do porto." (Dalla, Pallotino, Chico Buarque)

A reiteração e a sonoridade da consoante oclusiva bilabial /p/, principalmente no início das palavras, sugerem a fixação, a imutabilidade da personagem.
"Chove chuva choverando
Que a cidade de meu bem
Está-se toda se lavando."

(Oswald de Andrade)

Neste exemplo do poeta modernista, a repetição do som fricativo / ch/ enriquece a ideia de chuva.

Nos versos abaixo, do poeta Carlos Drummond de Andrade, percebemos a repetição de determinados elementos fônicos, como a sonoridade das consoantes /b/, /p/ e /t/, recurso da aliteração; a reiteração da nasalidade /õ/, exemplificando a assonância; e a paronomásia (semelhança de sons e diferença de sentidos) com bomba/pomba e atômica/atônita. Por serem consoantes oclusivas, os sons /p/ e /b/ também sugerem a explosão da bomba.

"Bomba atômica que aterra
Pomba atônita da paz
Pomba tonta, bomba atômica..."


A aliteração tem como efeito, geralmente, o reforço do ritmo que o escritor pretende imprimir à frase. Ela é mais comum na poesia do que na prosa. Vejamos um exemplo na prosa de Guimarães Rosa, em que a aliteração serve para enfatizar o significado central do texto:
"Boi bem bravo, bate baixo,
bota baba, boi berrando..."


Observemos este excerto da composição musical Vai passar, de Chico Buarque e Francis Hime:
"[...]
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
[...]"


Nesses versos, há um recurso expressivo sonoro na passagem "tenebrosas transações". A aliteração da consoante /r/ intercalada que aparece também em pátria, distraída e subtraída, dá relevo à expressão e reforça a sugestão de soturnidade que a reveste.

Nos textos em prosa de caráter não literário, a aliteração torna-se um defeito (vício de linguagem) e deve ser evitada. Chama-se colisão: Vejamos um exemplo:
"Prefeituras param no Paraná para contestar medidas." (Folha de S. Paulo)

ASSONÂNCIA
É a repetição proposital de sons vocálicos idênticos ou semelhantes.
"A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga, caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Piraguá." (Gregório de Matos)


Note que, além das aliterações, existem sons vocálicos usados repetidamente: a, i, u.

Note que, além das aliterações, existem sons vocálicos usados repetidamente: a, i, u. que pronunciamos de forma mais aberta.

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa
Soluçando nas trevas entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.


Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.


Ó almas presas mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da dor, no calabouço atroz, funéreo!


Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!


A sensualidade, muito explorada pelo poeta, é substituída por uma ansiedade existencial: o texto exprime um desejo muito forte de transcendência, de superação dos limites impostos ao ser humano - que se impõe por meio da libertação dos sentidos. Indaga-se sobre as "chaves" capazes de abrir as "portas do Mistério", às almas que soluçam nas trevas.

Em todo o poema, o autor procurou destacar a limitação e a rigidez a que a alma humana está condenada. A condição humana é angustiante, na visão revelada por estas palavras: o cárcere das almas é o próprio corpo (condição material, a própria vida na terra). Soluçando entre as trevas, a alma, de sua "prisão" vê as imensidades, mares, estrelas, tardes, natureza, isto é, o mundo em suas manifestações de infinito e plenitude, o mundo em sua totalidade. Percebemos que a primeira estrofe é marcada pela assonância em "mares", "estrelas", "tardes", "natureza".

Na quarta estrofe, marcada pela aliteração (repetição de sons consonantais), presente no verso inicial, o eu lírico procura valores espirituais como solução que possibilite à alma o encontro com a libertação da triste condição material.

Independente da vogal usada, pode-se levar o assunto adiante como se fosse um texto comum. Assim:
"A fala atracada à faca
Ataca a graça abalada da traça
Perene que fere, repele
E ensebe esse blefe de pele
Que incide livre, insigne e triste
No horror dos sonhos nos coros
Num sururu de urubus em cruz"


Com essa sequência alfabética de vogais, o texto pode continuar, enquanto a imaginação e o divertimento persistirem.

MESCLA DE FIGURAS
É muito comum que as figuras apareçam mescladas em um mesmo texto.

O escritor Paulo Lins, em seu romance Cidade de Deus, expressa o avanço da violência no Brasil, nas últimas décadas, com a frase:
"Falha a fala. Fala a bala."

Nas duas frases, podem-se identificar a aliteração, configurada na repetição do fonema /f/; a assonância, pela repetição da vogal a; a paronomásia, pelo trocadilho ou jogo de palavras com apelo sonoro; e a personificação, pela característica humana atribuída à "bala".

Os poetas concretistas tinham certa predileção pelo verbivocovisual (palavra, som e imagem), com a escolha de palavras que concretizassem suas ideias auditivas e visuais. Analisemos, agora, este poema concretista de Ferreira :

O GOL
A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a para
no ar
depois
com o joelho
a dispõe a meia
altura onde
iluminada
a esfera espera
o chute
que
num relâmpago
a dispara

na direção
do nosso

coração

As figuras sonoras são empregadas desde antes da lírica camoniana e contribuem para um texto mais vivo e musical, com os sons e o sentido próprio das palavras, trazendo novos efeitos de sentido

Percebe-se claramente que o poema apresenta aliteração (cadeia de sibilantes /s/: esfera, desce, espaço, veloz, depois, dispõe, esfera, espera, dispara, direção, nosso, coração), assonância (cadeia de vogais e) e paronomásia (apara / a para, esfera / espera). 

"E tia Gabriela sogra grasnadeira grasnou graves grosas de infâmia." (Oswald de Andrade)

Com a repetição de fonemas, o escritor modernista consegue um certo efeito de sentido: a fala de tia Gabriela assemelha-se, ironicamente, a um animal que emite o som alto, tais como corvos e abutres (o pato também grasna). Para conseguir tal efeito, o autor utilizou-se de duas figuras de linguagem: a aliteração e a assonância.

As figuras sonoras sempre foram empregadas por escritores - de Camões a Chico Buarque -, e podem, por conseguinte, contribuir para que o autor torne mais vivo o texto, além de explorar a musicalidade, com os sons e o sentido próprio das palavras, sugerindo um efeito de sentido, despertando sensações e impressões no leitor, visando à melhor compreensão do texto.



*Luiz Roberto Wagner é doutor em Letras pela UNESP de Araraquara-SP e autor do livro Use o português adequado: aspectos gramaticais e análise de textos. 3. ed. São Paulo: All Print. *Djenane Sichieri Wagner Cunha é pós-doutoranda em Língua Portuguesa, pela PUC-São Paulo.


Referência (s):

http://conhecimentopratico.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/42/artigo290502-2.asp

 




 






  


terça-feira, 25 de junho de 2013

DC COMICS X MARVEL COMICS - Dos Quadrinhos às versões Literárias.

DC X MARVEL


Eles são os principais super-heróis dos gibis, conhecidos mundialmente e símbolos icônicos de muitas gerações de aficionados. E pertencem às editoras MARVEL e  DC COMICS, gigantes do segmento.
Não é à toa que Superman, Batman, Homem-aranha, X-Men e vários outros personagens das duas publicadoras monopolizam as versões literárias dos supertipos fantasiados dos quadrinhos.

Uma dessas obras se acomodaria facilmente em lugar de destaque numa hipotética lista definitiva dos melhores livros de ficção científica lançados nas últimas décadas.


MARVEL


A Marvel Comics, apelidada de "Casa das Idéias", é uma editora americana famosa por suas histórias em quadrinhos. Fundada em 1939 por Martin Goodman, inicialmente era chamada de Timely Comics. Em 2009, foi comprada pela Walt Disney. Entre os mais famosos heróis da Marvel, estão o Homem-aranha, o Homem de Ferro, o incrível Hulk, o Capitão América, os X-Men e muitos outros personagens.




DC COMICS


Fundada pelo editor Major Malcolm Wheeler-Nicholson em 1934 como a National Allied Publications, a DC Comics é uma editora de histórias em quadrinhos. É uma unidade da DC Entertainment, parte da Warner Bros.
Entre os personagens mais famosos da DC, estão o Super Homem, o Batman, Mulher Maravilha, Aquaman, Lanterna Verde e Flash, entre muitos outros. É importante também citar o selo Vertigo, pertencente à DC Comics, que publica as histórias consideradas mais sofisticadas e maduras.





DC X MARVEL







Nos Estados Unidos, os contos e romances estrelados por super-heróis dos gibis são uma realidade consolidada: a partir dos anos 70, ela tornou-se uma indústria tão prolífica quanto lucrativa.



sábado, 22 de junho de 2013

ARTIGO (TIPOS DE ARTIGO)

ARTIGO


O artigo é uma palavra que só se usa antes do substantivo. Além de indicar o gênero e o número do substantivo, serve para individualizá-lo ou generalizá-lo. Exemplos:Comprei o jornal - indica o gênero e o número do substantivo jornal e o individualiza, pois já se sabe de qual jornal se trata.Comprei um jornal - indica o gênero e o número do substantivo jornal e o generaliza, pois não se sabe de que jornal se trata.

TIPOS DE ARTIGO


O artigo que individualiza o substantivo é o ( e suas variações a, os, as ). Chama-se artigo definido. 

O artigo que generaliza o substantivo é um ( e suas variações uma, uns, umas ). Chama-se artigo indefinido.

USO DO ARTIGO


O artigo definido se usa obrigatoriamente nestes casos:

- Antes de qualquer substantivo que indique ser já conhecido. Exemplos:
o jornal da cidade, o médico da família.

- Antes de nomes de continentes (a Europa, a Ásia), de países (o Brasil, a Inglaterra), de regiões (o Nordeste, o Sul), de rios (o Amazonas, o São Francisco) e de oceanos (o Atlântico, o Índico). Principais exceções: Angola, Chipre, Cuba, Luxemburgo, Macau, Madagáscar, Moçambique, Mônaco, Portugal, Uganda e Zâmbia.

- Antes de nomes de Estados brasileiros: o Amazonas, a Bahia, etc. Exceções: Goiás, Mato Grosso (porém: o Mato Grosso do Sul), Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe.

- Antes de nomes de bairros: a Lapa, a Penha, a Pituba, os Aflitos. Existem inúmeras exceções, dentre as quais destacamos: Cascadura, Copacabana, Ipanema, Itapuã, Perdizes, Piatã, Pinheiros, Santana, Santa Teresa.

- Antes de nomes de clubes e agremiações: o Flamengo, o Palmeiras, o Renascença, etc.

- Antes de festas religiosas e profanas: o Natal, a Páscoa, o carnaval, a micareta, etc.
Se vierem depois de preposição, todos esses nomes dispensam o uso do artigo. Exemplos: noite de Natal, domingo de Páscoa, sábado de carnaval, dia de micareta.

- Antes dos nomes das horas: as três horas, a uma hora, etc.
aparecem quase sempre depois de preposição. Exemplos: das três às sete horas, entre as duas e as três horas, etc.

- Diante do pronome indefinido Todo, usa-se o artigo para indicar totalidade, caso o termo posterior o exija; não se usa, pra indicar generalização. Se o termo posterior não exigir artigo, este não será utilizado, mesmo que  haja indicação de totalidade.
Exemplo: Todo o país participou da greve. (o país todo, inteiro)
Todo país sofre por algum motivo. (qualquer país, todos os países)
Todo Portugal aprecia vinho. (o substantivo Portugal não admite artigo)

- As formas à e às indicam a fusão da preposição a com o artigo definido a. Essa fusão de vogais idênticas é conhecida por crase.- As formas pelo(s)/pela(s) resultam da combinação dos artigos definidos com a forma per, equivalente a por.


Artigos, leitura e produção de textos
O uso apropriado dos artigos definidos e indefinidos permite não apenas evitar problemas com o gênero e o número de determinados substantivos, mas principalmente explorar detalhes de significação bastante expressivos. Em geral, informações novas, nos textos, são introduzidas por pronomes indefinidos e, posteriormente, retomadas pelos definidos. Assim, o referente determinado pelo artigo definido passa a fazer parte de um conjunto argumentativo que mantém a coesão dos textos. Além disso, a sutileza de muitas modificações de significados transmitidas pelos artigos faz com que sejam frequentemente usados pelos escritores em seus textos literários.




quarta-feira, 19 de junho de 2013

SUBSTANTIVO ( TIPOS DE SUBSTANTIVO )

TIPOS DE SUBSTANTIVO

Estrela, Lua, floresta, amizade,ódio, beija-flor, Deus, Diabo, Brasil e livraria são seres que existem ou que imaginamos existir. Em português, qualquer ser que existe ou que imaginamos existir recebe o nome de substantivo. Portanto, estrela, Lua, floresta, amizade, ódio, beija-flor, Deus, Diabo, Brasil e livraria são substantivos.
Toda e qualquer palavra antecedida de um artigo se torna automaticamente um substantivo: o não, um sim, o amanhecer, um cinco, etc.


TIPOS DE SUBSTANTIVOS


O substantivo pode ser:

comum - quando se refere a todos os seres de uma mesma espécie.Exemplos: jornal ( esse nome se refere a toda espécie jornal ), cidade ( esse nome identifica toda a espécie cidade ).

próprio - quando se refere a um só ser de uma mesma espécie. Exemplos: O Globo ( esse nome se refere a um só ser da espécie jornal ),  Recife ( esse nome identifica um ser da espécie cidade ).

simples - quando formado por um só radical. Exemplos: flor, couve, moleque, pé.

composto - quando formado por mais de um radical. Exemplos: couve-flor, pé-de-moleque.

primitivo - quando dá origem a outros substantivos. Exemplos:  carro.

derivado - quando se origina de outro substantivo, o primitivo. Exemplos:  carroça, carroceiro, carretel, carruagem, carriola, carrossel, etc.

concreto - quando indica um ser de existência independente, real ou não. Exemplos: beija-flor, estrela, ar,  Deus, alma, lobisomem, fada.

abstrato - quando indica um ser de existência dependente, isto é, ser que não existe no mundo exterior, mas apenas em nossa consciência. Exemplos: amor (existe noutro ser; é, portanto, ser dependente), saudade ( não existe no mundo exterior), inveja (existe apenas na consciência das pessoas), ódio, etc.

IMPORTANTE


Não há propriedade em afirmar que substantivo concreto é aquele que indica um ser que "a gente pode pegar", e e substantivo abstrato é o que indica um ser que "a gente não pode pegar". Entendido o assunto dessa forma, como explicar, por exemplo, que ar é substantivo concreto, que Deus é substantivo concreto e que Plutão é substantivo concreto? 

Entre os substantivos comuns se encontram os coletivos, que, embora estejam no singular, indicam vários seres da mesma espécie. Exemplos: exército (muitos soldados), manada ( muitos elefantes, ou muitos cavalos, ou muitos búfalos, etc.).

Substantivos derivados de verbos, tais como casamento, trabalho, são concretos ou abstratos?
São abstratos. Qualquer substantivo que indique ação (caso de casamento e trabalho), estado ou qualidade (limpeza, bondade) é abstrato.

Morfossintaxe do substantivo
Nas orações de língua portuguesa, o substantivo em geral exerce funções diretamente relacionadas com o verbo: atua como núcleo do sujeito, dos complementos verbais (objeto direto ou indireto) e do agente da passiva. Pode ainda funcionar como núcleo do complemento nominal ou do aposto, como núcleo do predicativo do sujeito ou do objeto ou como núcleo do vocativo. Também encontramos substantivos como núcleos de adjuntos adnominais e de adjuntos adverbiais - quando essas funções são desempenhadas por grupos de palavras. 







terça-feira, 18 de junho de 2013

CORA CORALINA - ANINHA E SUAS PEDRAS

ANINHA E SUAS PEDRAS
( Cora Coralina )

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.


ÁLVARES DE AZEVEDO - O POETA

O POETA

( Álvares de Azevedo )

Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! Por que não morri?
Por que no sono acordei?

No meu leito – adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor!
Os cabelos rescendendo
Nas minhas faces correndo
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso;
E nos lábios, que entr’abria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentido;
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou:
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer;
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamente,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Não sei... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu!

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
As lágrimas que eu chorei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noites minhas!
Elas sim...eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo – Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver...
Que o sinto no coração! –

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim?


segunda-feira, 17 de junho de 2013

EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS

Expressões idiomáticas


A linguagem metafórica constitui uma grande parte de nossa linguagem cotidiana, mas estamos tão acostumados que, às vezes, nem percebemos. As expressões idiomáticas, provérbios, ditos populares e gírias são um bom exemplo disso. Embora esse tipo de frases e expressões tenham significados metafóricos bastante marcados, o distanciamento do sentido próprio torna mais difícil imaginar como essas expressões adquiriram o sentido que têm atualmente. Nem por isso temos dificuldades em usá-las, pois sabemos seus os sentidos fazem parte de nossa memória cultural.

As expressões idiomáticas não se subdividem e constituem-se por conglomerados linguísticos de sentido metafórico fixo. Se o sentido for subdividido em palavras isoladas, a expressão se descaracteriza e seu valor cultural, idiomático, não terá mais sentido. Por exemplo, a expressão "abaixar a cabeça" significa, em sentido metafórico, "submeter-se", "humilhar-se", mas, em sentido denotativo, o sentido é movimentar a cabeça, colocando-a em posição mais baixa. Por isso, dizemos que somente o uso da sentido à linguagem, uma vez que os sentidos podem ser variados, múltiplos.

será que você já conheceu alguém que torcia o nariz? Já comprou um presente que lhe custou os olhos da cara? Já teve de se mostrar com quantos paus se faz uma canoa?
Como você já deve ter percebido, nossa língua é cheia de expressões curiosas, que têm um significado especial e não podem ser traduzidas ao pé da letra. São as chamadas Expressões idiomáticas que todo mundo usa, mas pouca gente sabe de onde vêm. veja o caso de pé-rapado.
No Brasil imperial, o calçado era um símbolo de status. Os nobres, por exemplo, gostavam de exibir-se com largas botas. Os ricos e burgueses usavam sapatos sempre lustrosos. Já os homens do povo andavam descalços, de pé no chão e, por isso eram chamados de pés-rapados. A simbologia era tão forte que, assim que recebia sua alforria, o escravo ia logo comprar um par de sapatos, para ingressar na classe dos pés-calçados.

Já a expressão maria-vai-com-as-outras tem origem  religiosa e está ligada a Nossa Senhora. Isto porque, normalmente, os rosários eram  formados por 150 Ave Marias- todas sempre iguais, em seqüência, separadas apenas por 15 Pais Nossos. Ou seja, a uma Maria, seguiu-se as demais. No passado, quando uma pessoa tinha personalidade fraca, o povo começou a dizer: é uma Maia vai com as outras.....

domingo, 16 de junho de 2013

CLARICE LISPECTOR - HÁ MOMENTOS

Há Momentos

Clarice Lispector

Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.


Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.



Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.


A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.


VINICIUS de MORAES - A AUSENTE


A ausente

Vinicius de Moraes

Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...

MANUEL BANDEIRA - A ESTRELA

A ESTRELA

Manuel Bandeira
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

MANUEL BANDEIRA - DESENCANTO

Desencanto

Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

MANUEL BANDEIRA - POÉTICA


Poética

Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

GONÇALVES DIAS ( CANÇÃO DO EXÍLIO )


Canção do Exílio

(Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

FERREIRA GULLAR ( POEMA BRASILEIRO )


Poema Brasileiro 

( Ferreira Gullar )

No Piauí de cada 100 crianças que nascem 
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 

No Piauí 
de cada 100 crianças que nascem 
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Clarice Lispector - Viagem a Petrópolis. Clarice induz e conduz o leitor a adentrar um mundo de seres desimportantes, esmagados por uma sociedade que despreza a sua essência.

Viagem a Petrópolis

A narrativa de Clarice Lispector utiliza-se de sutilezas que dizem mais do que o aparente em uma primeira lida.


por Mônica Lopes*



Perdidos os filhos, o marido, o lar, os dentes; a vaga imagem de que fora uma mulher; o olhar nebuloso que insiste em lacrimejar, embora nem sempre esteja chorando; o sorriso que repousa nos lábios e o velho hábito de agradecer. Assim é Margarida, ou melhor, Mocinha, a protagonista do conto Viagem a Petrópolis, que parte para a morte da mesma forma como viveu: anônima, dormindo numa cama pequena e dura, em um quarto dos fundos de uma espaçosa casa, em Botafogo. A resignação diante do tempo e das mazelas. O vazio do presente e a retomada fragmentada do passado.


O que levaria Clarice Lispector, aos 14 anos, a escrever sobre uma velha sequinha, doce e obstinada que mora de favores numa casa em Botafogo? O escritor Julio Cortázar já colocou: todo bom conto sempre terá um bom tema. Para Cortázar, um bom texto é aquele cuja significação não está na escolha do tema, mas o que está antes e depois dele. O que está antes é o escritor com sua carga de valores humanos e literários, com vontade de fazer uma obra que tenha sentido. O depois é o tratamento literário do tema.

A narrativa clariciana concentra significações que muitas vezes parecem diluir-se na vida simples e cotidiana na qual se inserem os seus personagens. Os seus textos estão determinados pela rotina, apresentando situações comuns aos desafios cotidianos: uma dona de casa envolvida em afazeres domésticos, Amor (da coletânea Laços de Família); uma criança sentada na escada à espera de alguém que compartilhe a sua infância, Tentação (A Legião Estrangeira); uma velhinha que vive de favores em uma casa de classe média alta, Viagem a Petrópolis.

Há, contudo, sempre algo de extraordinário no fazer literário da autora. Por trás de ações costumeiras, faz recortes da vida e registra instantes significativos dos seres humanos, partindo de uma experiência apreendida pelo olhar de si e recriada pela linguagem. Fatos banais transformam-se em uma revelação - epifania - capaz de despertar no leitor o desejo de saber sobre a própria existência, concebendo-a enquanto experiência paradoxal, dentro de uma temporalidade múltipla, longe da lógica da razão e próxima dos sentidos, das sensações.

O conto Viagem a Petrópolis apresenta, nos dois primeiros parágrafos, uma série de informações descritivas sobre Mocinha, a protagonista da história, o que para um leitor desavisado poderia implicar certo esvaziamento do enredo, como se não tivesse muito que dizer; como se a história estivesse predestinada a uma circularidade, afastando-se do desenvolvimento de uma ação, procedimento a que um texto narrativo se propõe. Segundo o escritor Affonso Romano Sant'Anna, "Os contos de Clarice seriam momentos epifânicos (...) numa leitura apressada poderia levar o leitor a pensar que em seus contos não acontece nada". Conheça Mocinha:

"Era uma velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo. Os olhos lacrimejavam sempre, as mãos repousavam sobre o vestido preto e opaco, velho documento de sua vida. No tecido já endurecido encontravam-se pequenas crostas de pão coladas pela baba que lhe ressurgia agora em lembrança do berço. (...) O corpo era pequeno, escuro, embora ela tivesse sido alta e clara. Tivera pai, mãe, marido, dois filhos. Todos aos poucos tinham morrido. Só ela restara com os olhos sujos e expectantes quase cobertos por um tênue veludo branco."

De acordo com Tizvetan Todorov, filósofo, a narrativa não está limitada a uma sucessão de fatos, pois nem sempre uma sequência cronológica produz uma verdade. E, ao tomar como parâmetro uma breve história de Boccaccio, que gira em torno de um triângulo amoroso, pontua: "Tanto a descrição quanto a narrativa pressupõem temporalidade, mas a temporalidade de natureza diferente. A descrição inicial situava-se no tempo, ma esse temo era contínuo, ao passo que as mudanças, próprias da narrativa, recortam o tempo em unidades descontínuas; o tempo, pura duração, opões-se ao tempo dos acontecimentos. Só a descrição não basta para criar uma narrativa, mas não exclui a descrição".

Para o autor, há dois princípios fundamentais em toda e qualquer narrativa: o princípio de sucessão e o de transformação. As mudanças ou transformações, próprias da narrativa, recortam o tempo em unidades descontínuas. Pelo princípio da sucessão, entende-se o encadeamento de unidades descontínuas. Do princípio da transformação, depreende-se que a natureza das transformações é variada, sendo que seu paradigma é a negação ou oposição (passagem de A para não-A). Em síntese, a relação entre as unidades ou elementos da história é a de sucessão e a de transformação. Todorov defende que a estrutura da narrativa aparece tanto nos textos literários, pesquisados por ele, quanto em outros sistemas simbólicos.


Narrador empático

O texto clariciano mantém uma narrativa em primeira e terceira pessoas, característica comum nas narrativas tradicionais, mas utiliza-se do fluxo de consciência que é o rompimento dos limites de espaço e de tempo. Pequenos fatos exteriores provocam uma longa viagem abstrata das ideias, sem se basear numa estrutura sequencial da narração. Ela faz as personagens viverem o processo epifânico. Em outras palavras, diante de ocorrências mínimas, a personagem se descobre e vê revelada uma realidade mais profunda. Muitas vezes, ela mesma não consegue perceber com clareza que realidade é essa, porém sua vida ou sua visão mudam.

A escritora adolescente já apresenta um modo de narrar que vai caracterizar a sua trajetória literária: um narrador onipresente que nutre pela personagem uma empatia, trazendo à cena um ser desimportante que parece desconhecer a sua condição de desamparo e solidão. Em Viagem a Petrópolis, evidencia-se a existência de uma senhora à qual não se atribui idade, talvez por querer deixar a critério do leitor, talvez por ser a própria autora incapaz de determinar a idade em que se anuncia a decrepitude humana. Mocinha que vivia de favores em casa de pessoas com as quais não estabelecia laço afetivo algum, encarava a sua existência dentro de uma zona de conforto, alheia a tudo que a colocava em condições subumanas:

"Sua vida corria assim sem atropelos, quando a família da casa de Botafogo um dia surpreendeu-se de tê-la em casa há tanto tempo, e achou que assim já era demais."





O narrador, apropriando-se do discurso indireto livre, ao invés de contextualizar as vivências anteriores da protagonista, capazes de elucidar, por exemplo, as razões pelas quais vivia em condição de mendicância, ocupa-se em delinear as suas vivências interiores. Mergulha nos pensamentos da protagonista e desvela os contrastes que formam a sua essência: "velha - Mocinha; doce - obstinada; olhos sujos - expectantes; olhos lacrimejantes - sorriso permanente". A dialética que compreende o universo de Mocinha parece acentuar as informações rasas sobre si, mas que o narrador privilegia na intenção de conduzir o leitor a trilhar o grafo das pegadas de uma escritura que sugere mais do que diz, ou que diz o indizível.


Clarice, mesmo relatando o ir e vir de Mocinha, em seus constantes passeios pelas ruas do Rio de Janeiro, não caracteriza o engatar da narração concebida por Todorov. Essas ações repetitivas não implicam mudanças factuais próprias da narrativa, mas conduzem sutilmente para uma transformação da história. A personagem não se dilui no cenário textual; ela o próprio texto, a própria trama. A autora propõe a repetição como uma forma de compreensão do que pretende divulgar e do que pretende esconder. É um processo instintivo que obriga o leitor a sair da constituição frasal, da semântica simples e partir para a contextualização do que é dito e do que se quer dizer dentro da estrutura geral da sua ficção. Uma leitura de Clarice Lispector implica antes ater-se aos sentidos edificados na sua escritura, do que apurar a sua sintaxe, aparentemente desconexa.


Dessa forma, a autora tece, nas malhas das letras subjetivas do seu texto, um fazer literário que se afasta de uma ordem hierárquica. Mocinha, que é parca de palavras, tem no narrador onipresente a possibilidade de existência. O processo de transformação dá-se pela composição da personagem. Mocinha tem o hábito de passear pelas ruas do Rio de Janeiro para conhecer a cidade o que, estranhamente, faz sem nenhum atropelo. Entretanto, "Levantava-se de madrugada (...) disparava lépida como se a casa estivesse pegando fogo". Poder-se-ia então pensar nas impossibilidades de uma senhora que parecia não ter mais o quê desvendar, já que fora mãe e esposa; sem mais ter de quem cuidar e a quem obedecer:

"Tivera pai, mãe, marido, dois filhos. Todos aos poucos tinham morrido. Só ela restara com os olhos sujos e expectantes quase cobertos por uma tênue de veludo branco."


O que mais lhe restava? A vida, impondo-se até mesmo aos que já se encontram fragilizados. A procura da cidade ainda desconhecida poderia significar uma tentativa de desalienação, mesmo que inconsciente, dessa velha que, confinada ao esquecimento, tem nessas saídas a possibilidade de sobreviver à ausência de afetividade. Na casa, as pessoas não se davam conta da sua presença, a não ser quando, acidentalmente, esbarravam nela: "E quando passavam atarefados pela velha ficavam surpreendidos como se fossem interrompidos, abordados com uma pancadinha no ombro: 'olha!'".

Além disso, quando o narrador conclui o pensamento de Mocinha, ou o adivinha: "Bastava, aliás, sentar-se num banco de uma praça e já se via o Rio de Janeiro" , afastasse a ideia de que Mocinha era movida pelo desejo de conhecer a Cidade Maravilhosa. Ao contrário do flanêur, que transita prazerosamente por entre a multidão; o lugar que lhe cabia eram as praças, espaços públicos destinados àqueles que não têm para aonde ir, nem para aonde retornar. Sair lépida para passear, antes mesmo que o dia já tivesse amanhecido, é uma denúncia de seu estado de agregada. Assim, é preciso ler o que está nas entrelinhas.

Passeando pelas ruas do Rio de Janeiro, ou sentada em um banco de praça, Mocinha estaria compondo a paisagem das grandes cidades de seres desabrigados, de passantes sem direção, vivendo o drama das incertezas e da contradição humana. Incorporando-a a essas representações da sociedade, a autora, paradoxalmente, traça o caminho para a percepção do leitor que começa a percorrer com a personagem o seu labirinto. Em verdade, o leitor é induzido a se inscrever no discurso narrativo, percorrendo os caminhos misteriosos da condição humana.



A trama de mocinha

Segundo Ricardo Piglia, o que faz a narração de uma história ultrapassar o previsível e o convencional é justamente a capacidade que tem o contista de escrever duas histórias: a visível e a secreta. Piglia afirma que o conto moderno é o que melhor utiliza a história secreta, pois é também o que mais se aproxima da linguagem poética. Em vez de anunciar a existência de duas histórias distintas, como no conto clássico, passa a contá-las como se fosse uma só. Assim, o ato de narrar induz o leitor a adentrar uma teia que é tecida no emaranhado de histórias que ora se velam, ora se desvelam.

A personagem é concebida como um estorvo. Mocinha vista a olho nu, poderia arrancar dos mais céticos um sorriso, mas ao chegar mais perto do espelho que se evitava, ocorria o mal estar. Uma das jovens da casa, por exemplo, não conseguia suportar o sorriso da personagem, que ela sabia ser um rito inofensivo. Diante do incômodo que se instaurava, Mocinha deveria ser levada para longe da casa: "E logo que alguém cogitou de mandá-la morar em Petrópolis, na casa da cunhada alemã, houve uma adesão mais animada do que uma velha poderia provocar".

É aqui que a narrativa, no dizer de Todorov, engata e incorpora dois dos elementos elencados pelo autor: a degradação de uma situação (Mocinha afasta-se da sua zona de conforto); o desequilíbrio constatado (o "novo passeio" desestabiliza a personagem). A iminência de sofrer um deslocamento geográfico (Rio - Petrópolis) termina interferindo no estado de espírito de Mocinha. A personagem teme escapar da sua rotina, mecanicizada e aparentemente confortável.

O leitor é induzido a inscrever-se no discurso narrativo, de modo a percorrer os caminhos misteriosos da condição humana apontados por Clarice.

Por que Mocinha não dormiu na noite anterior? O caráter epifânico neste conto não obedece a uma ruptura súbita, como na maioria dos contos de Clarice Lispector. Aqui a linguagem molda-se às condições físicas e psicológicas da personagem fragilizada pela idade, pela perda de memória, pelo discernimento que lhe escapa. O processo de descoberta dá-se pela proposta de um "novo passeio": a viagem a Petrópolis. As lembranças remotas do passado iniciam-se pelos filhos que perdera em situação trágica. Filhos os quais não sabia mais terem existido. Os cabelos e as roupas do filho, a contrariedade com Maria Rosa; a saudade, o arrependimento; a morte sendo justificada: "se tivesse vivido no tráfego do Rio de Janeiro, aí mesmo que morria atropelado e servindo de justificativa: se soubesse que a filha morreria de parto, é claro que não precisaria gritar". Em seguida, o marido que nos aparece de forma quase isolada, como se não fizesse parte do enredo amoroso que a as mães constroem com os filhos. Mocinha parece estranhar pensamentos e sensações que há muito não lhe ocorriam.

"Passou a noite falando, às vezes alto. A excitação do passeio prometido e a mudança de vida, de repente aclaravam-lhe algumas ideias. Lembrou-se de coisas que dias antes juraria nunca terem existido. A começar pelo filho atropelado, morto debaixo de um bonde no Maranhão - se ele tivesse vivido no tráfego do Rio de Janeiro, aí é que morria atropelado. Lembrou-se dos cabelos do filho, das roupas dele. Lembrou-se da xícara que Maria Rosa quebrara e como ela gritara com Maria Rosa. Se soubesse que a filha morreria de parto, é claro que não precisaria gritar. E lembrou-se do marido. Só lembrava do marido em mangas de camisa. Mas não era possível, estava certa de que ele ia à repartição de paletó, sem falar que não poderia ir ao enterro do filho e da filha em mangas de camisa. A procura do paletó do marido ainda mais cansou a velha que se virava com leveza na cama. De repente descobriu que a cama era dura."

Esse flash de consciência (revelação) ao mesmo tempo em que recupera a sua identidade perdida, exerce sobre a personagem a sensação de medo, de angústia; o mal estar que induz à manutenção do estado aprisionado, uma vez que o indivíduo se fragiliza diante da hegemonia social. Nádia Gotlib fala que James Joyce concebe a epifania como uma espécie de grau de apreensão do objeto que poderia ser identificada com o objeto do conto, enquanto forma de representação da realidade; em suas palavras, "É uma manifestação espiritual súbita, em que o objeto se desvenda ao sujeito". Logo, entender o caráter epifânico dos contos de Clarice Lispector constitui tarefa imprescindível para a compreensão de sua obra, uma vez que o importante se revela na dinâmica interna das personagens, em um fluxo de consciência que afasta definições e prioriza o sentido das coisas.

Por que será que acompanhamos e vivemos a história de Mocinha? Talvez porque a literatura seja uma utopia realizável, realiza-se nesse conto, realiza-se em Clarice Lispector. De repente, o fio condutor dessa história é o paletó do marido que Mocinha não consegue achar em suas lembranças fragmentadas. O paletó é a metáfora da racionalidade, é a chave que falta para que se desvende o mistério. A protagonista passa uma noite em agonia; a imagem do marido torna-lhe a aparecer:

"Só depois que a lembrança se desvaneceu, viu que esquecera de observar se estava de paletó ou em mangas de camisa. Deitou-se de novo coçando-se toda ardente. Passou o resto da noite nesse jogo de ver por um instante e depois não conseguir ver mais. De madrugada adormeceu."

Esse estado de inquietude da protagonista é a tensão necessária ao conto que Cortázar defende como imprescindível e que é concebida na literatura clariciana por meio da epifania que, neste conto, mostra-se tênue, quase imperceptível. Clarice Lispector retarda o destino das suas personagens, mesmo se tratando do gênero conto, caracterizado pela brevidade; pois não é para se chegar ao final que o conto foi escrito, e sim para, através da narrativa, concretizar o mistério da experiência. Mas Mocinha caminha inevitavelmente para um desfecho.

No carro no qual está sendo levada para Petrópolis, A palavra de mocinha é o silêncio que se opõe ao contentamento dos jovens e aos seus risos ruidosos. As imagens sobrepostas pela velocidade evidenciam a relação entre significado e significante, mesmo que os signos revelem-se  aparentemente desvinculados: "Passaram por um cemitério, um armazém, árvore, duas mulheres, um soldado, gato! Letras - tudo engolido pela velocidade". Nada em Clarice é despretensioso. Observa-se que as imagens vão sendo registradas de acordo com a velocidade do carro e a percepção de Mocinha e, ao final, são engolidas pela velocidade, ou pelo seu desmaio: "Quando Mocinha acordou não sabia mais aonde estava. A estrada já havia amanhecido totalmente: era estreita e perigosa".



Por outro lado, essas palavras podem semanticamente inserir uma nova mensagem. Cemitério e gato, por exemplo, são dois signos sensíveis e inteligíveis que carregam um conteúdo que os fortalecem: a ideia da morte representada pelo cemitério e a de presságio sugerida pelo gato. Clarice Lispector estabelece a relação e inter-relação entre esses elementos do texto. Não se pode compreender a sintaxe da autora sem relacioná-la ao seu universo literário que sugere a possibilidade infinita de escrever e reescrever. É nesse jogo de mostrar e esconder que a autora incita no leitor a necessidade de continuar viajando com a personagem. Empurra-o no labirinto para achar a saída, mas os caminhos abrem-se em curvas estreitas, em alinhavos que insistimos em coser, mas que se partem continuamente.

Ao mesmo tempo em que a protagonista encontra o seu fio condutor, o paletó que sempre estivera pendurado, o desdobramento de suas lembranças volta a desemborcar em informações pouco significativas para o desfecho. Em verdade, Mocinha apresenta uma memória mantida por registros de imagens desconexas que lhe aparecem como algo jamais vivido: marido, filhos e todos os elos afetivos que um dia tivera. Essas oscilações acabam por acentuar a sua marginalização, isolamento e senilidade: "lembrou-se do nome da amiga de Maria Rosa, daquela que morava defronte: Elvira, e a mãe de Elvira até era aleijada".

Em Petrópolis, Mocinha fora recebida em casa da cunhada alemã, como seria recebida em qualquer lugar: como indigente. Uma velha sequinha, doce e obstinada provocava também na estrangeira um incômodo. Poderia se tratar de uma velha maquiavélica, oportunista, tentando roubar-lhe a casa, "aconteciam coisas assim todos os dias, bastava abrir um jornal e ver que acontecia". Mocinha, que se sentia fraca, desejava tomar café, mas ninguém lhe oferecia.

"O que fazia naquela casa? Mandavam-na à toa de um lado para o outro, mas ela contaria tudo. Sorriu encabulada: não contaria era nada, pois o que queria mesmo era café."

A personagem, por um instante, sugere tomar conhecimento do seu esmagamento social, vendo-se como joguete nas mãos da sociedade. Mas mantém-se sentada e calada, esperando a decisão do dono da casa. Clarice estabelece o paradoxo entre o eu e o outro: Arnaldo, ladeado pelas duas mulheres. De um lado, sua mulher esticada e vermelha, do outro, uma velha murcha e escura com uma sucessão de peles penduradas nos ombros. Espelhos avessos; o velho e o novo, o claro o escuro, força e fragilidade, vida e morte. O discurso direto faz-se presente nesse momento do conto que antecede ao desfecho, pois o narrador distancia-se da personagem, assumindo a posição unicamente de observador. Arnaldo recusa o que lhe parece inútil e Mocinha recolhe-se em sua insignificância. A velhice de Mocinha é a sua sentença; ela está fora de lugar no mundo.
"Volta para a casa de minha mãe, chega lá e diz que casa de Arnaldo não é asilo viu? Diz assim: casa de Arnaldo não é asilo não, viu! Mocinha pegou o dinheiro e dirigiu-se à porta. Quando Arnaldo já ia sentar para comer, Mocinha reapareceu: - Obrigado, Deus lhe ajude."

Mocinha desvia-se da estação de trem e segue passeando pela estrada de Petrópolis que é muito bonita. Lembrava sem saudades dos filhos e do marido e, por um instante, recobrou-se de que já tinha sido uma mulher: "Quando era ainda uma mulher, os homens. Não conseguia ter uma imagem precisa das figuras dos homens, mas viu a si própria com blusas claras e cabelos compridos.". Mocinha parece desprovida de intencionalidades, mas segue caminhando pela estrada que subia muito. Há uma convergência entre os elementos da natureza e ela própria parece fundir-se ao lugar que se revela paradisíaco: "O céu estava altíssimo, sem nenhuma nuvem. E tinha muito passarinho que voava do abismo para a estrada. A estrada branca de sol se estendia sobre um abismo verde". Mais uma vez, a autora ressalta os lugares alhures pelos quais a protagonista podia transitar e nos quais podia permanecer: "Então como estava muito cansada, a velha encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu". Dessa forma, Mocinha sai definitivamente de cena, completando o ciclo da vida de nascer, viver e morrer.

Clarice Lispector propõe uma incursão literária, pois a literatura pode nos revelar o não-dito, dar voz aos que se encontram silenciados, levar-nos a refletir sobre as formas várias de relação interpessoal. No conto Viagem a Petrópolis, a escritora traz à tona a situação dramática dos que vivem dentro de uma estrutura social na qual se desconhece a afetividade e se negam as fragilidades humanas. Em uma sutileza de linguagem que sugere mais do que diz, ou que diz o indizível, Clarice induz e conduz o leitor a adentrar um mundo de seres desimportantes, esmagados por uma sociedade que despreza a sua essência.


*Mônica Lopes é Mestranda do Curso de Pós-graduação de Literatura e Cultura do Instituto de Letras da UFBA.

Saiba mais:
- CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. Id: Bvalise de Cronópio. Tradução Davi Arrigucci Jr. e João Alexandre Barbosa. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. p. 147-163.

- GOTLIB, Nádia Battela. Teoria do conto. Ed. São Paulo: Ática, 1991.

- LISPECTOR, Clarice. A Legião Estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

- PIGLIA, Ricardo. Teses sobre o conto. In. O laboratório do escritor. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo: Iluminuras, 1994.p. 37-41.

- SANT'ANNA, Affonso Romanno de. Análise Estrutural de Contos Brasileiros. Petrópolis: Vozes, 1975.

- TODOROV, Tizvetan. "Os dois princípios da narrativa". In._ Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.